quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A fácil solução dos problemas alheios

Assistindo, ontem, o filme “Dois filhos de Francisco”, ficou evidente a inconsciência de um pai que não mediu conseqüências . Por gostar de música sertaneja, imaginou que os filhos pudessem conseguir sucesso cantando.
Ele não tinha nenhum dado que indicasse que as crianças tivessem algum talento para o canto. Era só um desejo.
Numa festa na cidadezinha, o filho mais velho disse que iria cantar no show que acontecia lá. Subiu no caminhão, que fazia as vezes de palco, e embora o violeiro repetisse muitas vezes a introdução, ele permaneceu travado até conseguir começar a cantar. Não era bem um canto; se parecia mais com uma gritaria. Como prêmio, o pai comprou-lhe uma gaita de boca. O menino não tinha a menor idéia de como tocá-la e fazia um barulho danado.
Depois de um bom tempo, o filho começou a tocar músicas na gaita.
O Francisco vendeu tudo o que produzira no sítio, inclusive um revolver que fora herança de seu pai; para comprar uma sanfona e um violão para os filhos. O detalhe, é que ele devia dinheiro ao sogro pela aquisição de um arado. Ao saber que o genro havia comprado os instrumentos musicais, com dinheiro que poderia ter sido usado no pagamento da dívida; o sogro classificou-o de maluco e irresponsável. Normal, né?
Abandonar o sítio e aventurar-se na cidade, em busca de chances para os filhos cantar, não é atitude considerada normal pela maioria das pessoas, muito pelo contrário: costuma ser classificada como loucura.
Entregar os filhos a um empresário que, embora bem falante e manipulador, evidenciava ser um “picareta”; foi um risco grande demais, também deplorado pela maioria das pessoas. O risco corrido se evidenciou com a morte do filho mais novo, da dupla, num acidente automobilístico, numa viagem depois de uma apresentação.
Se por um lado, Francisco agiu irresponsavelmente e inconscientemente; por outro, incentivou, empurrou e fez o que podia para que os filhos conseguissem sucesso. O que pesa mais nesse julgamento?
Ficou evidente a influência do mistério. A caminhada contribuiu para o aprimoramento musical, mas o sucesso só aconteceu depois de muito tempo. A persistência pode ser considerada como motivo para o sucesso, no entanto, um número enorme de pessoas foi tão persistente quanto eles e continuaram no ostracismo.
Será que se tivessem esperado, sem perseguir o objetivo com tanta insistência, teriam chegado onde chegaram?
Teriam tentado no mento certo?
Teriam tido capacidade de suportar os sofrimentos e decepções?
Se ao invés do sucesso, os dois filhos tivessem morrido no fatídico acidente; como o Francisco seria considerado, hoje?
Difícil julgar, né?
A super-proteção é comum. A total irresponsabilidade, também. No entanto, qual a medida de proteção e atrevimento recomendável? Será que existe esse parâmetro?
O que é evidente, é que não existe super-proteção capaz de evitar todos os problemas e sofrimentos; nem atrevimento que garanta sucesso nos objetivos. Por outro lado, verificamos sucesso conseguido sem maiores esforços, enquanto grandes persistências, esforços e sofrimentos, resultam em fracassos e decepções. Com base nessas evidências, você se atreveria a recomendar ou agir segundo alguma estratégia que te pareça coerente?

Super-proteção é causada por amor, medo, prepotência, egoísmo, desconfiança, desrespeito e covardia.
É natural tentar proteger quem se ama, afinal, o que ela possa sofrer, causará sofrimento a quem a ama. Quem ama, não tenta proteger a pessoa amada só pelo que ela possa sofrer, mas, também, pelo que ele próprio possa sofrer por isso. Algumas vezes, a maior motivação é a proteção de si próprio. É o medo.
A falta de coragem impede o super-protetor de considerar os benefícios que o risco pode propiciar à pessoa amada, super-valorizando o sofrimento próprio, acovardando-se e optando por impedir que ela arrisque em busca de benefícios, prazer e felicidade.
A prepotência, o considerar que sabe o suficiente e que os outros não sabem nada, faz com que o super-protetor se dê o direito de julgar e determinar o que é melhor, sem considerar o que outros possam pensar, principalmente, quem pretende proteger. Ele não considerará os benefícios possíveis a quem pretende proteger, mas só os custos, principalmente os que possam atingir a si próprio. Isso caracteriza, além da prepotência, o egoísmo.
A desconfiança exagerada, causada por comodismo, covardia e egoísmo, torna o risco inaceitável quando não houver promessa de benefícios próprios consideráveis. Nesses casos, considerando que não terá benefícios pessoais, o super-protetor optará por impedir que o pretenso protegido se arrisque em busca de benefícios próprios. Desconfiará de tudo e de todos e usará essa desconfiança para argumentar contra qualquer tentativa.
O super-protetor não tem o menor respeito por quem pretende proteger, não considera sua capacidade, sua vontade, seu direito e, muito menos, as forças que possam influenciá-lo. Não se dá ao trabalho de refletir e analisar, simplesmente tenta impedir.
A intenção de proteger é muito importante, pode evitar prejuízos e sofrimento; possibilitar a busca de caminhos mais promissores, em fim, ajudar a conseguir sucesso, prazer e felicidade, evitando riscos desnecessários. No entanto, é preciso respeitar o direito alheio, a capacidade do indivíduo, sua inteligência, emoção e, principalmente, as forças misteriosas que o afetam. Antes de tentar impedir, é importante ser humilde, solidário, compreensivo, analisando custos e benefícios com isenção, contribuindo para a melhor decisão. Evitar desvalorizar o direito alheio, enquanto super-valoriza o próprio.
É bastante grande o número de pessoas que alegam conhecimento e compreensão, aconselhando, indicando soluções e, até, proibindo; sobre o que desconhecem, não se deram ao trabalho de analisar nem refletir, muito menos, discutir. Falam com tamanha segurança e convicção que, os menos avisados, são enganados com a maior facilidade. Verificando com um pouco mais de cuidado, é fácil perceber o quanto essas pessoas são incapazes de orientar sua própria vida. Seus argumentos são conflitantes, contraditórios; o que não as impede de defender, com ênfase, as maiores ambigüidades; demonstrando seu desconhecimento, incompreensão, domínio de preconceitos, de vontades e da emoção, enquanto fica claro a total ausência de racionalidade.
É muito difícil estabelecer os limites entre o que é proteção e o que é abuso de poder, prepotência e egoísmo. Não existem parâmetros confiáveis que possam ser usados com segurança, o que nos obriga a considerar cada caso, refletir, analisar e decidir.
Não é fácil! Embora, muitos, nem se dêem o direito de qualquer reflexão e optem por proibir e tentar impedir a qualquer custo que o suposto protegido tente o que quer que seja; é preciso considerar que isso é um abuso inaceitável, talvez, pior que a despreocupação irresponsável.